Lumine Miyavi escreveu:Apesar disso ser "bom" em mesa, é algo que desencoraja o pensamento fora do molde; essa prática estimula o tipo de comportamento que reforça os estereótipos dos personagens e nada mais, não que eu esteja dizendo que seja o seu caso, mas... é um pulo pra chegar lá.
Não necessariamente, Lumine. Ao menos no contexto de RPGs de foco narrativo/
story games, a coisa costuma ser feita de maneira suficientemente solta para possibilitar improvisação e expandir o molde.
Boa parte destas mecânicas (Aspectos, Qualidades...) podem se prestar a descrever um conceito
laser-focused -- o conceito limitado vai acabar, muito possivelmente, por produzir um reforço de estereótipo. Mas usar este tipo de mecânica desta maneira é sub-ótimo (e desaconselhado pelo texto do sistema). A indicação é a de conceitos mais abrangentes. E geralmente são construídos em associação com o histórico do personagem, logo, o conceito é menos estereótipo "puro" e mais "contaminado" por elementos circunstanciais, que adicionam variação na aplicação do conceito em jogo.
E vale notar que este tipo de ferramenta não se limita apenas a "descritores de personalidade/conceito pessoal" -- geralmente desempenha a função de "ancorar" o personagem a elementos do cenário/história.
Lumine Miyavi escreveu:Essa postura (que desaprovo), dou o nome de "condicionamento e ou adestramento de jogadores. Você desencoraja o que acha "ruim" e recompensa o que é "bom".
Se existisse o RPG como um ente único, eu concordaria. Mas é muito variado, e cada título/jogo possui sua dinâmica própria. Logo, o "condicionamento" é uma forma de orientar o jogador na direção do que é considerado funcional/foco/bom
para aquele jogo em particular.
O
D&D tem suas formas de condicionamento -- mas estamos tão costumados com elas que passam batido, é como o ruído do ar condicionado que, depois de um tempo, você sequer nota (só percebe quando o aparelho é desligado e o ruído termina). XP é uma forma de condicionamento -- ao definir um prêmio e as condições para obtê-lo, se está condicionando. A 3E com aquele atrelamento estranho entre mecânica e conceito acabava por tolher algumas escolhas temáticas pelo fato de o sistema recompensar (com vitórias) aquelas associadas a classes/talentos/etc. que resultavam em um personagem mecanicamente otimizado.
Talvez se o
Vampire houvesse incluído nas regras melhor orientação de como jogar dentro da sua proposta, teríamos tido menos mesas com Tremere usuários de katana de prata e o frenesi das bolinhas em Disciplinas apelonas.
E o condicionamento é necessário -- o RPGista é meio dogmático, amarrado ao hábito; a menos que haja algo no jogo que o "force" na direção do foco, são enormes as chances de o gameplay descambar para um
D&D com maquiagem diferente. (É só ver o
Vampire.) Se se quiser que uma proposta não-tradicional de fato aflore em jogo, o condicionamento se faz necessário para que os jogadores não entrem no "piloto automático" de seus hábitos de jogo -- o que pode arruinar a realização da proposta.
Lumine Miyavi escreveu:Bonificar um jogador que faz algo "bom" é o mesmo para mim que o velho suborno do nebuloso "XP por interpretação" de outros sistemas.
Depende. A parte mecânica está mais para um invólucro que permite que aquele fragmento de narração influencie o sistema. Nisto nada há de nebuloso. A forma como se resolve a narrativa que ativa a mecânica, por outro lado, é subjetivo. E a subjetividade é uma característica positiva neste tipo de sistema (
feature, not a bug). O Robin Laws expõe isso de forma bacana:
Robin D. Laws, HeroQuest 2.0, pág. 5 escreveu:Who Prospers?
It is an unavoidable fact that all roleplaying games favor
certain player skill sets. Where some games reward
memorization, an instinct for math, and the willingness
to comb through multiple rulebooks for the most useful
super powers, HeroQuest tips the scales for creative
improvisation, verbal acuity, and a familiarity with the
techniques and stereotypes of popular fiction.
A subjetividade é uma forma de valorizar certas habilidades do jogador -- ela não é uma fraqueza, mas algo intencional com o intuito de incentivar improviso e aplicações inusitadas dos conceitos do personagem. Mas uma vez que isto tenha sido resolvido verbalmente pelos envolvidos, a decisão acordada é revestida por uma casca mecânica ("invocar o Aspecto") que fornece à decisão subjetiva uma forma objetiva de interagir com a matemática do sistema.
Aliás, uma leitura mais cuidadosa me informou que o D&D 4E
possui uma mecânica bem estruturada de XP por interpretação. De acordo com o PHB:
D&D 4th edition Player's Handook, pág. 258 escreveu:You can also, with your DM’s approval, create a
quest for your character. Such a quest can tie into your
character’s background. For instance, perhaps your
mother is the person whose remains lie in the Fortress
of the Iron Ring. Quests can also relate to individual
goals, such as a ranger searching for a magic bow to
wield. Individual quests give you a stake in a campaign’s
unfolding story and give your DM ingredients
to help develop that story.
É basicamente XP por interpretação de maneira melhor estruturada, como as Chaves do
The Shadow of Yesterday. É algo que se conecta com a
backstory do personagem? Sim. Características pessoais do personagem vão emergir no processo? Possivelmente[1]. Mas, diferente da 3E, a coisa não é "interpretou bem, ganha XP" -- o jogo não define (nem ajuda muito a definir) o que é a tal "boa interpretação". O uso das minor quests em conjunção com a backstory, por outro lado, fornece um objetivo claro que, quando realizado, libera uma recompensa determinada.
Se se usam as orientações do DMG (agora não lembro se era no 1 ou 2), de se criar quests que são, de certa forma, contraditórias, pode-se enredar os personagens em situações muito interessantes se as ligamos à backstory.
[1]Alguém já usou as quests pessoais em jogo? Elas incentivam mesmo o jogador a pensar mais no personagem como personagem (e não como canal mecânico de eficácia tática)?