Religião

Essa é a seção para conversas gerais sobre RPG, que não são sobre um sistema específico ou envolvem a sociedade em discussão sobre aspectos culturais, religiosos, comportamentais e educacionais do RPG, a popularização do jogo e o combate ao preconceito.

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Re: Religião

Mensagempor Kinn em 06 Jan 2011, 22:29

Silva escreveu:Kinn, todo esse tratamento mitologicamente correto que você descreveu é exatamente o que EU ESTOU DEFENDENDO desde o início da discussão. Inclusive minhas propostas de alterações no cenário de Planescape servem pra tornar tudo isso que você falou válido, em especial a proposta de acabar com a "veracidade" do modelo cosmológico (chamado de Grande Roda) e torná-lo apenas mais uma interpretação cultural do povo de SIgil ao invés da VERDADE ABSOLUTA que o cânone do cenário prega.

Ou seja, desde o início, é exatamente isso que EU VENHO TENTANDO PROPÔR - que Planescape passe a ser mais "religiosamente/mitologicamente correto", com mais consistência interna (e menos lógica de"heróis-vilões-aventuras"), e deixe de ter uma verdade absoluta, pra passar a ter várias verdades de acordo com diferentes culturas, se tornando pluralista de fato.

Em outras palavras, Kinn: você pegou o bonde andando e acabou fazendo de alvo quem era seu aliado desde o início. XD


É o que acontece quando só se sabe de um cenário pela boca dos outros :roll:
Mas creio que a proposta do povo pode ser validada também.
Porque não jogar também hack'n'slash sem maiores pretensões?

Apesar de costumeiramente minha mesa ter membros que filosofam enquanto trucidam meio mundo de orcs, há mesas que basta eles serem orcs para serem mortos, bem como o mote do Belkar da Order of the Stick - e ele não deixa de ser um personagem interessante.

Só faço o adendo para que não se limite a um tipo extremo de jogo, porque pelos seus posts é isso que parece.
Mesmo na minha mesa, apesar de todo o cenário detalhado, tem horas que mesmo eu só quero saber de meter dungeon e dúzias de monstros para torturar os pcs.
Sempre fui do pensamento que o equilíbrio está no meio...
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Re: Religião

Mensagempor Madrüga em 06 Jan 2011, 22:55

Silva escreveu:Maduga, não sei o que você quis dizer com isso, mas pra mim soa assim "a gente aprendeu com tsagr que o maneiro é um setting realmente não fazer sentido algum". :blink: :mrgreen:


Então é melhor voltar para a escola, porque houve alguma falha na sua alfabetização. :haha: :hum:

Mas primeiro, não leia mal o que vou dizer, não estou quebrando o pau e nem querendo ofender. É só um desabafo/explicação do que estou pensando, não se sinta ofendido ou agredido em nenhum momento!

Sem ler o que o Youkai e o Lumine disseram, é basicamente o seguinte: simplesmente não dá para querer colocar tanto nível de detalhe assim em um cenário de fantasia, isso falando em todos os sentidos. Não vale a pena.

É muito fácil simplesmente ler UM livro sobre "mitologia" e cagar regra (como eu falei, Campbell ou qualquer outro autor não podem ser a ÚNICA leitura se você quer levar QUALQUER assunto a sério), é muito fácil conhecer só português e inglês e querer "coerência linguística", é muito fácil não ler NADA de antropologia ou sociologia e querer que um cenário seja antropologicamente coerente.

Só que tem gente que quer só jogar RPG. Jogar um joguinho, sabe, com os amigos? Pedir uma pizza, abrir uma Coca, dar risada e depois voltar pra família, trabalho, namorada/esposa, contas a pagar, etc. Mesmo nós, como autores do cenário, queremos é jogar logo essa merda.

E criar línguas "coerentes" dá trabalho. Organizar troncos linguísticos de acordo com migração, história, dominação política e evolução dá trabalho. Criar um sistema morfológica, sintática, fonológica e foneticamente coerente (considerando história, evolução, influências, empréstimos e assim por diante) dá um trabalho desgraçado. E é um trabalho que não vale a pena ter, nem na criação e nem jogando.

Para jogar um jogo, você não deveria ter que aprender pronúncias esdrúxulas, por exemplo. O Youkai criou uns exemplos primorosos no começo de TSagr, mas eles pecavam exatamente por isso: não dava para pronunciar. Não dava para LEMBRAR. Aí o pessoal chiou, com razão, porque RPG não deveria ser um exercício simulacionista e nem masturbação intelectual. Tinha que ser um jogo.

Daí o aspecto "joguista" que o Lumine defende. Não precisa ser aquela postura de "cenário de campanha é aquilo que existe entre uma dungeon e outra", mas também não precisa ser uma viagem pelas maravilhas da perda de tempo.

Se você começa a exigir muita coerência científica, histórica, sociológica, linguística, botânica, religiosa, culinária e o caramba, o cenário começa a se tornar uma recriação chata do nosso planeta, e exigiria que a equipe de criação fosse composta de estudiosos em diversas áreas para que essa tal coerência fosse alcançada. Eu acabei de me formar em Letras, tal, ótimo, muito bom, mas não tenho pistolão para cagar regra linguística. Eu me satisfaço em ter línguas diversas, extinguir o "Comum" (onde eu e você concordamos), organizar mais ou menos em troncos linguísticos para fazer algum sentido, dizer "raças não-humanas produzem sons difíceis de reproduzir, então humanos falando essas línguas têm um sotaque indisfarçável", me esforçar para que os jogadores possam DIZER e LEMBRAR os nomes... e já é muito.

Da mesma forma, li meia-dúzia de livros sobre mitologia, outros sobre contos maravilhosos e me satisfaço de ter as culturas do cenário com religiões sincréticas, organizadinhas, verossímeis, etc. Acesso a Wikipedia e fico feliz de ter umas zonas climáticas "marromeno", vegetação mais ou menos coerente, etc.

Seu problema (parece) é achar que é 8 ou 80. Não é por causa do que citei agora que o jogo é só "HERP DERP DUNGEON CRAWL", e nem deve ser. Um meio-termo é saudável, e Tekumel (quem Tekumel?) parece um exagero do outro lado. Você mesmo já citou exemplos bacanas, como Eberron ou Kingdoms of Kalamar. Pô, eu COMPREI o atlas de Kalamar, e tem mapa de corrente marítima e criação de caprinos.

CRIAÇÃO DE CAPRINOS.

Silva, coloca seu gosto pelo coerente de lado e me responde: que mesa do mundo vai realmente usar um mapa do CONTINENTE com os lugares onde se criam caprinos, bovinos e o escambau?

TSagr tem que ser um meio-termo. Não dá para ser "religião como depositório de poderes" e nem "teologia sociológica fantástica avançada para entendidos". Perdi o fio da meada em algum lugar, mas é isso.
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Re: Religião

Mensagempor Armitage em 09 Jan 2011, 16:40

Madruga, eu entendo perfeitamente seu ponto e, de modo geral, concordo com ele.

Só gostaria de acrescentar o seguinte: ao contrário do que alguns aqui parecem pensar, em nenhum momento eu defendi o realismo/verossimilhança/plausibilidade como "a verdade absoluta" ou algo assim, apenas deixei claro como minha preferência. Obviamente esse "ponto ideal" entre plausibilidade VS absurdo vai variar de pessoa pra pessoa e de população pra população. Tem gente que brocha/perde a imersão em mundos absurdos e tem gente que acha um saco mundos plausíveis. O que acho que todos vão concordar é quando essa "tendência" radicaliza para um lado ou outro, como é o caso do Tekumel (eu CONCORDEI com o Lumine que Tekumel é "injogável" e tem uma "learning curve" alta, só discordei quando ele tentou porrar o com argumentos infundados do tipo "é só mais uma fantasia genérica" ou algo assim).

E é isso.
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Re: Religião

Mensagempor Kinn em 11 Jan 2011, 18:53

Certo. Tiramos mais algo daqui? Porque a discussão parece ter morrido, tirando estes pontos.
Aproveito o flood para perguntar onde abrir o tópico para contar sobre meu cenário.
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Re: Religião

Mensagempor Armitage em 11 Jan 2011, 21:29

Aproveitando a deixa do Kinn pra falar uma coisa que lembrei agora..

Lumine escreveu:Alias, algo sempre me deixou com um pensamento estranho. No nosso mundo, não temos manifestações diretas, palpáveis e comprováveis de Deuses. Alias, em alguns mundos fantasiosos, esses mesmos Deuses podem até mostrar-se fisicamente... Como seria a 'crença'?

Não seria.

Afinal, nas religiões antigas pré-cristianismo os deuses se manifestavam fisicamente ("Viu aquele reâmpago!? Então, é Zeus"). Para aqueles povos não existia a concepção de "crença" como entendemos hoje, a questão não era "você ecredita que ele exista?" mas sim "qual deles é o melhor/mais importante pra você?". É um conceito até dificil para o homem moderno compreender. A relação divino-mundano era de fato baseado no "interesse mútuo", um troca-troca (sacrifico essa ovelha pra Hermes me conseguir trabalho, e essa vaca pra Apollo curar minha doença; abdico parte da minha vida pelo culto de Elêusis em troca de sua bênção e seus mistérios). Na verdade isso é um simplificação e eu não sou nenhum entendido no assunto, mas é por aí.

( quem garante que a relação divino-mundano não seja até hoje baseada em interesse, e o homem moderno apenas aprendeu a duplipensar que é por "amor" ? :hum: )
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Re: Religião

Mensagempor Youkai X em 11 Jan 2011, 22:14

Só ver algumas igrejas neopentecostais cheias de promessas de sucesso econômico, inúmeras simpatias e oraçòes a santos e tal pra conseguir boa sorte em tarefas mundanas/pessoais e afins que existem ainda hoje em dia. Ou as supostas manifestações divinas em forma de imagens da Virgem Maria, imagens de jesus, o nome de Alá, etc e etc.
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Re: Religião

Mensagempor Kinn em 12 Jan 2011, 19:00

Tem mais disso aí, Silva. Havia a devoção institucionalizada, como faraó-divino e demais governantes que eram creditados serem descendentes diretos dos deuses.
Há também a questão do assombro diante do divino. Me lembro do desenho Avatar - a lenda de Aang quando ele é possuído pelo espírito do mar e avança expulsando os guerreiros da nação do fogo - quando as pessoas da tribo da água vêem aquele ser transcendental, se ajoelham emmisto de assombro e respeito sacro.

Campbell cita isso - o contato com o divino evoca o horror e paixão devocional, um delirium tremens que era esse contato, quer fosse com um fenômeno da natureza, como o raio, ou uma iniciação nestes mistérios, ou ainda, através dos caminhos de poder que os indios norte-americanos encontravam com o uso do peiote.

Era a porta de entrada para um outro mundo dentro e fora de si mesmo, ao mesmo tempo. Aqueles que saiam intactos do chamado, se tornavam xamãs. Quem não saia, bem... não era uma experiência muito agradável. Mas a fé era erigida e servia tanto de guia espiritual, filosófico, moral e social. Não a toa é dos mitos que também vão se definindo as leis éticas ligadas a fé. Então o que o deus diz, ou a palavra erigida em nome dEle diz, vira lei.

A mente não consegue abstrair estes processo míticos, que são pessoais embora os fundamentos sejam universais, então quando a religião não traz a resposta para seu questionamento, ou você perde a fé ou tenta encontrá-la em outro lugar ou sob outra forma.

Num mundo onde deuses são reais e interagem diretamente, especialmente a pessoa comum, seria um espanto estar frente a frente com seu deus. Sua devoção ou o faria enlouquecer ou todo o encontro seria a mais poderosa experiência mistica para o fiel, tornando ele um pregador, no mínimo. Não consigo conceber um contato tão direto e manifesto com uma divindade sem que mude totalmente a pessoa.

Com uma manifestação indireta ou um servo como um anjo, já seria muito forte também, mas a mente saberia lidar melhor. E mesmo isso naõ seria para qualquer um - só pessoas tipicamente heróicas costumam ter esse encontro e sair com sua psiquê intactas.
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Re: Religião

Mensagempor Emil em 12 Jan 2011, 20:25

O problema de discutir estas coisas é que religião é um conceito histórico, e a separação rígida dos campos da vida é um negócio muito moderno.
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Lutai primeiro pela alimentação e pelo vestuário,
e em seguida o reino de Deus virá por si mesmo.

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