Madrüga escreveu:Terras Sagradas é praticamente baseado na premissa de que odiamos religiões "D&D-ísticas". Pelo menos estamos tentando criar religiões verossímeis, e mesmo uma monoteísta (que tenta não recair naquele trope de... "crystal dragon"?), regiões que influenciam umas às outras, sincretismo, dogmas, cismas e guerras e expurgos que acontecem puramente por causa da religião. E o cenário não tem um "herp derp mito de criação" porque, igual ao nosso mundo, cada um acredita no seu e ninguém pode provar que está certo... e nem que o outro está errado. Fora que os deuses não interferem no mundo pelo mesmo motivo: um deus existindo seria a prova de que UMA cultura está certa e as outras erradas, e não é o que queremos. Só existe a fé. Os deuses e a origem do universo? Sei lá.
Nibelung vai aparecer aqui para falar de Eberron daqui a pouco. Ou o Elven.
No meu cenário lidei com isso de uma maneira bem peculiar, que são os hiatos nos mitos de criação.
Se ler tudo rapidamente, irá parecer tudo interligado, mas ao se investigar a fundo as lendas e as versões locais se descobre que eventos que se consideravam unificados não tem como ter acontecido ao mesmo tempo.
Então a fronteira entre o mito e "fato" das mitologias de criação ficam em suspenso. Para piorar, as divindades mais diretamente responsáveis estão ausentes ou incomunicáveis com seus servos (Em Hellios, os deuses não apenas interferem no mundo, mas nele habitam - salvo exceções - e os governam, criando países que são determinados pela zona de influência de suas auras e poderes).
Ao mesmo tempo, quando se joga, se sente um clima de "Eram os deuses astronautas?" A maioria dos mortais é fervorosamente crente a fica estupefata com a presença dos deuses e seu poder - mas a reação não seria parecida com heróis de grande poder? E aquele templo antigo e abandonado que parece novo e funcional com suas luzes brancas que nunca se apagam? E aquelas ligas metálicas desconhecidas?
Claro, isso é pano de fundo e nunca foi o foco central de nenhuma de minhas mesas, mas sempre é algo divertido que gera comentários pós-sessão.
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Outro ponto interessante para fazer os heróis sentirem a presença dos deuses é eles ganharem cedo atenção deles (ou o oposto, os mortais interessarem o deus por algum ato heróico ou intrigante - aconteceu um assim, quando os PCs criaram acidentalmente um incidente diplomático).
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Locke Winchester escreveu:Creio que ser jogável é tão importante, senão mais do que, ser verossímil.
É totalmente viável criar um cenário com religião consistente e interessante sem que isso inviabilize o jogo. Tem sido um mote em Tsag no último ano, se tu dere uma olhada na seção vais ver que ambos tem andado juntos já faz algum tempo.
Acho que o Locke disse tudo.
Depende também do foco da mesa. Na minha segunda mesa o foco não era esse, mas ainda ficou visível. Na terceira o foco não começou na cara nisso mas aparece e durou até o fim do jogo. Na quarta mesa a religião e religiosidade tinham muita importância no contexto, tramas e aspectos, mas eu estava indo com calma.
Pulei a mesa 1, porque ela foi o beta do cenário e se passou em outro período mais a frente, quando os deuses não mais interviam no mundo.
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Lorde da Dança escreveu:Meu problema em relação a religião não é a presença ou influência direta dos deuses, mas a falta de práticas religiosas em sí e de funcionar mais como o pacto do bruxo ou a magia do mago do que algo distinto.
Em jogos normais ou até mesmo em um ou outro cenário oficial (além dos cenários de espantalhos) são tratados a personalidade e o feito das entidades divinas, mas só isso. Sua relação com os fieis, datas religiosas, simbolos e até mesmo dogmas. O clérigo só tem de imitar o deus ou bajula-lo e pronto, magia, o anão tem de falar moradin uma vez por dia e o druida tem de falar bem sobre a natureza. Claro, talvez rituais não sejam necessários quando o deus aparece constantemente, mas temos de lembrar que para muitas religiões os deuses tambem tem contato constante e mesmo assim eles param para rezar, sacrificar um boi ou coisas do tipo.
Bom, não pude fazer algo muito detalhado porque desenvolvia o cenário ao mesmo tempo que mestrava. Mas os cultos, ainda que simples, possuiam seus dogmas claros e foram cerne de muitas situações e problemas na mesa. Os personagens devotos sofreram vários dilemas morais e prerrogativas de tentavam forçá-los a quebrar os dogmas de sua fé - algumas vezes feitas por vilões. Tudo isso rendeu ótimas cenas no jogo.
O clérigo mesmo era questionado porque ser tao absurdamente cego e devoto mesmo diante de "desmandos" e "arbitrariedades" de sua deusa (a quem culpavam por omissão de um grande mal ter sido liberto). Ele argumentou que ter livre-arbítrio também consistia no direito de não exercê-lo
Interessante como é em parte o comportamenteo de pessoas religiosas demais.
Mas lorde da dança está certo. Os membros de classes divinas e primais (3.5) eram os verdadeiros devotos. Os demais não prestavam muito respeito aos deuses e a fé.
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Deicide escreveu:Daniel Martins escreveu:Personagens com profundidade dao gosto de jogar!
Cara, eu acho que a religiao, especialmente nos cenarios medievais, eh uma excelente fonte de conteudo tanto para role play qto para tramas durante o jogo.
Pois é. E isso que me deixa desmotivado, pois em geral sou mestre, e mesmo com os DMPC's que costumam auxiliar o grupo, não é a mesma coisa que ser jogador.
Gosto muito quando meus jogadores exploram esses lados de seus personagens. Eu tenho um em particular que é muito bom em pegar detalhes do cenário e usar para aprimorar o histórico de seus personagens.
Também raramente tenho chance de jogar.
Acho que por isso, os meus personagens não npc me dão um apreço especial:
Um super linguista viajante temporal, que era um filosofo fatalista que acreditava num futuro pre-determinado e agia sempre para que a história não fosse alterada;
Um monge budista espadachim puro de coração que sempre tentava encontrar a alma pura dos adversários a quem nunca chamou de inimigos.
Um paranormal empata numa campanha alá digimon tentando sobreviver e lutar contras as próprias trevas no coração.
Pena que a maioria terminou antes do fim...
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Citando o pouco que sei de forgotten, creio que há tanto espaço para focar a fé no jogo como tramas palacianas.
Acho que colocar a mão dos deuses no mundo, seus atos - mesmo que no passado influenciando as pessoas, suas crenças, já ajuda a dar um clima.
Como é o casamento para fé X? Há divórcio? Quais são os tabus e dias santos? É algo que toma tempo para criar, mas que se colocado em marcadores simples ajuda a mesa ter senso de verosimilhança.
Um exemplo famoso no meu cenário é o culto da fertilidade da deusa da natureza. Ela, segundo o mito quase morreu quando a terra secou sem luz.
Com o deus-sol fecundando a terra ela reviveu e da união do sol e da terra nasceram as 2 luas do mundo. A deusa da natureza pede que seus servos promovam a união e multiplicação da vida quando uma das luas aparecer cheia no céu. Dogma dela, que afeta o cenário de várias formas - inclusive a fé dela, que é agrícola no campo (semeia na noite de lua cheia) e prostituição sagrada no ambiente urbano.
Assim no 3.X a deusa tinha motivo para ter druidas, ranger na face natureza e clérigos(as) na face urbana.
São só exemplos de como usar o portifólio dos deuses e como eles são para construir o jogo.
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Lumine Miyavi escreveu:Alias, algo sempre me deixou com um pensamento estranho. No nosso mundo, não temos manifestações diretas, palpáveis e comprováveis de Deuses. Alias, em alguns mundos fantasiosos, esses mesmos Deuses podem até mostrar-se fisicamente.
Como seria a 'crença'? Alias, se é que pode ser chamado de crença, porque se a presença é real...
Seria uma poderosa arma divina a manifestação declarada, pois causa assombro dos mortais comuns - é só ver os mitos gregos ou mesmo a Eneida, onde mesmo disfarçados de mortais os deuses causam espanto e assombro aos mortais com seus atos.
o fã-natismo é outro ponto, como abordado por Deicide.
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Elven Paladin escreveu:Apenas para manter o Off-Topic:
E algo ainda mais interessante é que Planescape já é consideravelmente inóspito e alienígena se os jogadores não conhecem as características do plano em que viajarão e as peculiaridades de cada um deles - tanto que um dos motivos da mudança da cosmologia de D&D 4e era que os planos eram tão hostis e difíceis de alcançar que não habia muitos motivos para explorá-los e basear um jogo nisso. Eu não concordo em todo com essa visão como alguém que já jogou e mestrou campanhas que lidavam com isso, mas é algo muito razoável.
Eu particularmente adorei o novo sistema planar - tanto que já usava algo meio similar.
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Silva escreveu:Elven, essa modificação é uma tentativa de fazer com que os planos deixem de ser a casa da mãe joana onde os mortais confraternizam no próprio paraíso onde eles supostamente deveriam ir quando morressem - o que, convenhamos, não faz UM PINGO DE SENTIDO SEQUER, pois a partir do momento que uma pessoa tem contato físico e corriqueiro com algo que deveria ser sagrado esse algo deixa de ser sagrado e passa a ser tão mundano como qualquer outra coisa, e ninguem mais ia chamar "deuses" e "milagres" e "paraísos" por esses nomes, e seriam apenas outros tipos de espécies, filos ou habitats com caracteristicas catalogadas na biblioteca da esquina.
Taí. By default Planescape não faz sentido de um ponto de vista humano/antropológico - ninguem levaria a sério "deuses" cujos "céus" você pode visitar quando quiser pra tomar um chopp com seus anjos e serviçais. "São Pedro, meu véio, tá me devendo um chopp hein! Uma hora dessas vai lá em casa pra tu conhecer a patroa!"
Na verdade faz sim, Silva. O problema é que você o olha com os olhos errados. E se a imagem que os mortais tem do paraíso estiver errada e lá não for um local de descanso eterno? E se for como Asgard onde os einheriar se preparam para combater no ragnarok e não podem relaxar sob pena de perder? Planescape pode abordar isso e muito mais, mas primeiro é preciso abrir a mente para o paradigma de céu e visão pós-mortem se tem.
Outras culturas tem visões bastante distintas disto.
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Elven paladin já respondeu - maldito atraso...
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Silva escreveu:Se o cenário de fantasia tem como foco aventuras, espera-se que o conteúdo proposto SIRVA para aventuras. Se você descreve todas exemplos de colheita, calendário completo com feriados políticos por região política, tem todo mapa de exportações por localidade geográfica, rotas comerciais mais comuns, política interna de corte e a descrição da legislação civil e real utilizada em julgamentos da corte dos magistrados... e no final disso tudo coloca regras para se jogar com guerreiros e magos contra monstros, tem algo de MUITO errado aí
Se "aventuras" pra você se resume a "magos e guerreiros lutando contra monstros" então nada disso é necessário mesmo. O mundo ideal pra você será... nenhum - não é preciso haver "mundo" pra jogar com "guerreiros e magos matando monstros". Basta ter um dungeon e um lugar pra descansar, como eram os primeiros módulos de D&D. Ou então só um tabuleiro e miniaturas.
Cite outro "genérico" que contenha meia dúzia de linguagens próprias?
Cite outro "genérico" que tenha culturas autênticas/"apseudo" ?
Cite outro "genérico" que misture elementos de ciência e fantasia de um jeito que o torne possivel de ser enquadrado em um ou outro gênero?
Cite outro "genérico" que não contenha a etnia caucasiana/européia entre suas etnias ?
Cite outro "genérico" onde a habilidade de linguistica dos personagens é tão importante quanto as marciais?
Cite outro "genérico" que tenha seus aspectos sociais e religiosos bem bolados a ponto de não ruírem se você explorar o cenário além da esfera "herói-vilão-aventura!"
E o mais importante - cite outro "genérico" onde as premissas internas do cenário vêm na frente de qualquer lógica de jogo, a ponto de dificultar a vida dos personagens e mesmo matá-los se assim for? (teste de etiqueta or die )
Se o jogador é simulacionista ou imersionista, é mais fácil que o mestre interessado crie seu próprio cenário politica, social, cultural e religiosamente coeso do que procurar isso naqueles disponíveis comercialmente
Quer dizer que é mais fácil para um "mestre" leigo em linguistica ou mitologia ou sociologia criar um cenário melhor do que os comerciais existentes cujos autores por acaso SÃO DE FATO linguistas, mitólogos ou sociólogos ? Ahhh ta.
Sim, e você parece não perceber que esses valores e a diferença entre eles vai variar de pessoa para pessoa. VOCÊ pode não dar valor à riqueza cultural e consistencia interna de um cenário, mas EU posso. E cada detalhe que é ignóbil para você pode ser de extrema importância para diversão e imersão com o jogo, e vice-versa.
Se eu não levasse RPG minimamente a sério não tava aqui criando calo na ponta do dedo pra escrever trocentas páginas. RPG é algo que eu gosto muito ( apesar de jogar esporadicamente hoje em dia) e que levo a sério SIM. Como levo a sério as peladas da quinta-feira, ou o cinema dos domingos com a patroa, ou as brincadeiras com meu filho quando chego do trabalho, ou o campeonato de videogame UFC e Winning Eleven no vizinho aos sábados. E inclusive acho hipocrisia de qualquer um aqui falar que não leva rpg minimamente a sério. Não acredito que alguem com mais de 1000 posts aqui ou em qualquer forum de rpg não leve o hobby a sério.
Voltando ao ponto Campbell que é pelo que creio pelo que me chamou aqui.
Ele cita que os mitos tem 4 funções.
A primeira é explicar o mundo - a cosmologia.
A segunda é definir a cultura e sociedade = se temos uma lei mitologica ela vira verdade absoluta e inquestionável - vejamos os daliths indiamos e temos um exemplo
não ocidental disto.
A terceira é trazer ritos sociais que são importantes para o desenvolvimento pessoal - muitos deles no passado ajustavam os jovens trazendo e formando personalidade de adultos.
A quarta e cerne maior para nós é o poder psicológico dos mitos. Mitos nascem do inconsciente, então sonhos são mitos pessoais e mitos seriam como sonhos coletivos.
Eles contém o cerne de arquétipos que trazem para nós a mensagem metafórica que nosso inconsciente tenta nos dizer de qual é nosso caminho na vida.
O mito do herói é particularmente importante nisso. Nele Jung decifrou que trazem estereótipos do Id, self, anima/animus e sombra, todos reunidos numa aventura cujo prémio é desenvolver-se a si mesmo como adulto satisfeito consigo mesmo e seu mundo ao "follow your bliss" (termo de Campbell) pelas suas fases da vida, seja alcançar a maioridade, viver a plenitude da vida adulta ou se preparar para o fim da jornada que é a morte.
Isso é contado de milhões de formas diferentes, mas nos elementos fundamentais é tudo a mesma coisa.
Campbell cita por exemplo que povos do interior tem como local do self, a florestas negras e a sombra, o inimigo ou monstro temível poderiam ser lobos assustadores e demoníacos. Para povos de terras costeiras observamos em seus mitos o mar escuro como assustador e tubarões como a fera temível a ser domada e vencida.
Jogar rpg é reviver o ato de contar histórias e vivenciar a catarse que estas histórias nos contam. Boas mesas fazem isso conosco, como um bom filme ou livro também o faz. Podemos levar a sério, Silva. Eu levo às vezes. Mas às vezes é apenas um jogo e está certo assim também. Se um arco tem a corda retesada muito tempo, perde a elasticidade e fica inútil para atirar.
Herói de mil faces é o livro que fala de como o arquetipo do herói se divide nas mil faces que tem, que os roteiristas de hollywood usam o resumo do outro autor e fazem sempre os mesmos mitos sem saber se reinventar. Mas quem vai na fonte consegue fazer coisas boas ao recriar o próprio mito pessoal.
Mitos e transformação trata de descrever as faces dos mitos e como usar eles para desenvolver a si mesmo.
A quadrilogia as máscaras de deus apresenta a série mais densa dele, onde explica em detalhes o surgimento dos mitos, fundamentos, transformações e evoluções.
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Lumine fechou perfeitamente
Espero não causar tumulto com meu mega-post
Acho que vão só ler e ficar sem ter como comentar porque é coisa demais, assuntos diferentes...