Sem título
Talvez por própria decisão
Acaso e/ou sadismo do destino
Não sofro de nenhuma paixão
E pereço num eterno desatino
E sob vigilância desse desatino
Sobre o orvalho frio eu pereço
Sequer o julgamento de um menino
É capaz disso inverter; eu mereço
Tendo a vida minha captada pela lente
Me recuso a lutar contra a tortura
Dos dias que vem e vão como cascata
Espero sentado pelo sol nascente
Na esperança do fim dessa amargura
Que nasceu de mim em esquecida data
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Frieza
A guerra irrompe em sua vileza
Não me surpreende a turba em paz
Até eu posso carecer de tristeza
Quando a guerra já não me satisfaz
Passividade essa, com a qual me contento
Não é criação própria ou coisa de momento
Adquiri com os dias, com o passar das eras
Das notícias tristes; a imunidade de uma fera
Eis então meu corpo repleto de anticorpos
Destemidos e frios como qualquer guerra
Me tornam incapaz de derramar um choro
Por mulheres, crianças ou homens mortos
Condenado a ignorar uma criança que berra
Culpa minha não é, mas das notícias em coro
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Febre
...Tantas teorias, banhadas em total ternura
Resplandecem em rebocos de azulejo febril
Que espreitam nas dores insossas e seborréicas
Daqueles que jazem no mormasso da solidão
Arquitetada por teorias feitas com ternura
E nas paredes do labirinto hostil da vida
Onde monstros analisam com frieza, as circunstâncias
Que cerceiam os nossos caminhos já tão limitados
São erguidos cartazes maravilhosos, molhados de verniz
Onde brilha a servidão infinita ao lado do poder infinito
E durante os estupros sorrateiros nos espasmos
Que precedem a tortura totalitária desse esquema
Brilha um arco-íris preto e branco de esperança
Listrado com as cores mortas já há muito tempo
Que ainda insistem em nos alertar: não há vida sem vida
Assim como não há motivo em achar a saída
Assim como não é possível percorrer caminhos tão tortuosos
Assim como, num soslaio eterno, o futuro se dissipa
E o presente é o que importa, nada mais,
Assim como o esporro daqueles que querem gozar,
E o mesmo gozo agora cai,
banhando toda a parafernália humana que constrói
E espera para logo depois destruir...
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Voe
O ar que sussurra
É belo, é esmero.
É tão leve que nem posso pegá-lo.
É tão leve que nem posso navegá-lo.
É tão leve que sai por aí voando.
Sou tão pesado que só fiquei olhando.