por Assumar em 12 Mai 2011, 12:07
Deus Misericordioso teve piedade de nossas almas!
A travessia não foi simples como imagináramos. Fomos atacados por piratas e por pouco não sucumbimos. Um combate encarniçado teve início. Alessio e Cácia passavam muito mal devido à falta de costume em embarcações. Por pouco, Alessio não morreu, mas teve sérios ferimentos. Teodorico não acertava seus golpes, mal se mantendo equilibrado. Bronco sofreu com seu oponente e começou a perder muito sangue. Contudo, num golpe preciso quase arrancou o braço do desalmado pirata e a sorte começou a mudar de lado. Foi uma tarde tumultuada onde as ondas se encheram de vermelho. Uma tarde para ser esquecida.
No outro dia, chegamos ao porto de Avlona. Muitas embarcações vêm e vão desse importante entreposto de mercadorias. Multidões vinham e partiam, em sua maioria, participantes do notável exército que o Duque Boemundo reuniu. Armamos uma tenda junto a vários nobres de todos os lugares da Itália, principalmente.
Cerca de uma semana depois, o exército começou sua marcha para o interior do território bizantino, vindo a acampar novamente no vale de um bonito e caudaloso rio. Fomos informados que se trata do Rio Drino, um dos importantes condutores de água da rica e fértil região. A promessa é de que ficaríamos apenas uma semana, mas ela se transformou em meses.
Naquela região, todo o exército finalmente foi reunido. Pelo que imagino, havia pelo menos 2.000 cavaleiros e igual número de ajudantes de campo. Certamente, não menos de 14.000 homens de infantaria.
Não é fácil manter em tranqüilidade tanta gente. Contendas, roubos, assassinatos e estupros se tornaram comuns. O clima é bastante tenso, por mais que o Duque castigasse impiedosamente todos que caíam em suas mãos com evidências (ou até mesmo meras suspeitas) de má conduta.
Muitos mercadores, ladrões, videntes e prostitutas passaram a margear o acampamento. É uma verdadeira cidade que finalmente voltou a se mover, em direção a Kastoria, na rota para Constantinopla. Trata-se de uma cidade que adentra como península nas margens de um belo e imenso lago que lhe dá proteção natural contra invasões. Os habitantes são desconfiados, mas pacíficos. Ao que parece, a belicosidade pertence ao nosso próprio exército. Espoliação de gado, cavalos e mercadorias. Muita gente humilde sendo privada dos seus bens. Os saques são rotineiros nas bordas da cidade, arruinando pequenos camponeses.
O nobre Tancredo nos procurou recentemente, informando do desejo do Duque de que sejamos comandantes de algumas guarnições ao longo da jornada. Ele está impressionado com nosso desempenho na recuperação da carga de escudos e na luta contra os piratas.
Aproxima-se a festa de Natal e o Duque Boemundo informou que não seguirá caminho até depois das comemorações. Imaginávamos que teríamos um momento de paz, propício à meditação e à reconciliação com Deus, mas nesta semana, fomos chamados à presença do Duque.
Um dos cálices usados nas celebrações da Santa Missa havia sido roubado. Uma relíquia que, segundo alguns, foi presente do próprio São Marcos. Sempre imagino este santo vindo da Judéia com uma grande caravana para transportar a infinidade de relíquias que ele deixou em nossas terras!
O Duque exigia que encontrássemos o bendito cálice! Como faríamos isso?
Inicialmente, fomos ao encontro dos guardas que vigiavam a tenda onde a relíquia era guardada. Eram três amaldiçoados que estavam pendurados em troncos, apenas com suas vergonhas guardadas em trapos. Açoitados, sobre suas feridas foi jogado vinagre.
Pouco puderam nos informar. Bronco perdeu a cabeça com um deles e desferiu-lhe um golpe. Alessio, verificando os rastros, percebeu que a nitidez de um que saía do acampamento, se encontrava com um cavalo e disparava rumo norte. Mas não havia mais como acompanhar o trajeto.
Os locais mais próximos eram o mosteiro de Santa Julieta e São Kiriko, o acampamento de mercadores fora dos muros de Kastoria e a própria cidade. Nesta, não se podia entrar armado e era necessário pagar uma taxa.
Rumamos para o acampamento de mercadores. Procuramos contratar um intérprete. Disponibilizaram-se três pessoas: um monge bizantino; uma prostituta, Mariella e um provável ladrão, Doriano. O monge tinha jeito de lunático e o ladrão não nos pareceu mais confiável que a moça.
Ela nos levou a diversos mercadores até que, por algumas moedas, conseguimos a informação de que havia um mercador na cidade que contrabandeava produtos sacros.
Graças ao respeito imposto por Cácia, conseguimos convencer os guardas a permitir que Bronco ingressasse na cidade com suas armas, enquanto nós entramos apenas com facas escondidas em nossas vestes.
Localizamos a casa do mercador, de nome Aristilo. Alessio conseguiu pular o muro da residência e se escondeu. Cácia chamou à porta e foi atendida por um servo que mais parecia uma sentinela. Sem esperar a conversa, Alessio arromba uma das janelas, alertando os que estavam dentro da casa.
Bronco arrastou Cácia para longe, maldizendo a atitude de Alessio.
Lá dentro, munido apenas de uma faca, nosso mateiro não conseguia evitar os golpes de maça do seu adversário.
Não sei o que deu em mim... Pulei o muro depois de algumas tentativas frustradas, enquanto Teodorico arrombava o portão. Chegamos na contenda com Alessio a ponto de desmaiar. Acertei alguns golpes com meu cajado e num golpe fulminante, Teodorico matou o oponente, deixando o mercador à nossa mercê.
O pobre homem devolveu o cálice, dizendo que só o havia roubado para pagar um vultoso resgate para bandidos que encarceraram seu filho. Não ficamos para o resto da história. Deus tenha piedade da sua pobre alma e do seu filho. Nós, mais que depressa, levamos ao Duque a relíquia recuperada.
“A instrução não torna o homem melhor, e sim mais eficaz. O homem instruído, se seu coração é mal concebido, se ele transborda ódio, será ainda mais malfeitor.” (Jacques Sémelin)