Vincer escreveu:Adorei. No caso, a pergunta final. Verdade. Sem as perícias sociais, como ele poderia fazer isso? Minha grande curiosidade e o caso aqui no nosso 'tribunal' é justamente esse: será que só existem duas respostas?
A-Não consegue
B-Precisa de rolagem
Enfim, será que não é presunção demais nossa(minha inclusive) achar que já sabemos a *única solução possível*, e confortáveis com ela sequer procuramos uma melhor? Vejo bem o ponto de vocês e um dos meus lados concorda plenamente. Mas um problema não significa uma única solução...
O RPG é uma fusão de duas coisas: imaginação e regras. As regras são o esqueleto, elas norteiam e criam uma base para a imaginação funcionar. Tirar um sucesso num ataque é uma coisa, mas é você quem descreve o que esse sucesso significa.
Retire toda a imaginação, deixe só as regras, e o RPG vira um jogo de estratégia. Ainda pode ser divertido (e tem gente que gosta de jogar RPG para "ganhar" e o vê exatamente como um jogo de estratégia), mas não é a mesma coisa.
Retire todas as regras, e vira um teatro de improviso. Você pode fazer o que quiser, mas se sua descrição não agradar o Mestre, não vai dar em nada. É possível também jogar assim, mas exige um Mestre
muito justo e um time de jogadores "roleplayers" muito bons pra funcionar. Agora, tentem fazer isso com um Mestre que "acha" saber o que é "interpretar", ou com jogadores prima-donas que se acham mais importantes que os outros...
O ideal está no equilibrio: você descreve, rola os dados, e improvisa em cima do resultado. As regras estão lá pra mostrar que nem tudo que se pretende dá certo, pra dar um ar de aleatoriedade e imprevisibilidade. Um cara muito bom pode falhar, mas a chance é baixa. Um cara muito ruim pode superar, mas a chance é baixa. E isso é
bom. Impõe limitações ao simples teatro de improviso.
Não vejo diferença alguma entre fazer um teste físico, mental ou social.
É uma visão e faz sentido. Mas indo offtopic, talvez deveria ter? Talvez devêssemos ver diferença? Prefiro por hora deixar perguntas soltas e ver que respostas podem surgir.
A diferença está na nossa cabeça. RPG é um jogo mental, então a capacidade do jogador influi. Tem gente que é bom nas palavras e gosta de usar isso. Tem gente que gosta de atuar. E isso influi na opinião, pois quando o personagem tem de vencer um desafio social ou mental, ele tende a usar sua própria capacidade. Já no desafio físico, não. É sempre a regra, porque os jogadores não vão sair socando o mestre ou saltando entre telhados.
As regras surgem aí como um limitante, e nem todo mundo gosta disso. Acham que atuação é tudo, mas atuação é também agir em cima das limitações do personagem, e as regras estão aí para impô-las. Dá de resolver desafios só na atuação? Dá, mas torça para ter um Mestre bom e flexível.
Lembro-me de um texto da Wizards of the Coast falando em como jogos antigos eram frustrantes dependendo do Mestre. Às vezes o Mestre fazia uma charada e os jogadores literalmente tinham que
adivinhar a charada ou os personagens morriam. O mesmo vale para muitos desafios "interpretativos": às vezes o Mestre quer ouvir uma coisa específica, senão não tem solução... Hoje em dia encoraja-se testes sociais ou mentais que permitem persuadir o NPC de uma forma imprevista ou dar dicas sobre o desafio mental, e isso é bom. É claro, se você se resume a apenas a testes, também fica sem-graça.
Até que ponto o personagem deve ser separado do jogador, se ele é como uma extensão do mesmo na ficção, atrelado a ele? Se no final das contas o jogo foi feito para os jogadores(não para os personagens), e tem como fim atingir os jogadores(são os jogadores que devem se divertir e serem desafiados)... tirá-los da equação por completo olhando a ficha não seria, meio que, fugir da proposta original do jogo?
Não estou afirmando, apenas tentando entender.
O personagem é criado pelo jogador pensando num ideal. É uma verdade simples e irrefutável: o jogador quer se divertir com aquele personagem. Logo, desafiar os pontos fortes do personagem é a maneira de agradar o jogador. Um jogador tímido pode não ser bom na lábia na vida real, mas em jogo ser um grande sedutor ou líder pode trazer grande satisfação.
Logo, embora o personagem seja uma entidade separada, explorar suas forças (e dependendo do jogador, suas fraquezas) irá agradar o jogador, assim cumprindo o objetivo do RPG.
E bem, todos concordamos que o sistema simula aquilo que não pode ser emulado pelos jogadores na mesa e que precisa de uma resolução. Não tem como eu demonstrar fisicamente o que meu personagem deveria fazer, ou fazer o mesmo, e o jogo simula muito bem todas essas diferenças...
Mas ele deveria mesmo(precisa) simular o que pode ser muito bem feito na mesa, pelos jogadores?
Sim, por que não?
Não importa o quanto o jogador tenha treino em esgrima, nem o quanto ele descreve cuidadosamente os movimentos do personagem, é o dado que define o que ocorre.
É a mesma coisa! Não importa se o jogador é eloquente, o dado é quem define a ação.
Outra coisa importante: é o dado quem deve decidir...
A primeira parte faz todo o sentido... mas a última(grifada) não importar? E o dado definir tudo? Então nesse jogo de interpretar papéis e rolar dados, os dados são o importante e a primeira parte é 'bônus', desnecessária, e no final tudo que importa são rolar dados?
Nunca tinha visto RPG por esse espectro. Tinha uma impressão errada do hobby? Porque podemos acrescentar como 'extra' essa interpretação em qualquer coisa e lugar, então tudo pode virar rpg desde que a gente floreie? Ou interpretando literalmente essa parte destacada, sequer isso: desde que você role dados para um personagem fictício é rpg, floreios e interpretação não devem fazer diferença. É isso?
Às vezes, no calor do argumento, me expresso mal, porque às vezes acho-me mais eloquente do que realmente sou (em outras palavras, rolei mal minha Lábia...). Não é que a descrição não importa; ela é fundamental para dar cor, textura e volume à cena, assim como definir o objetivo de um teste.
O que quis dizer é que descrever vividamente seu ataque nos mínimos detalhes, usando todo o conhecimento de combate real do jogador, não adianta muito se você simplesmente falha no teste. No fim, é o dado que vai decidir. Se deu falha, seu personagem pode ter tropeçado no último momento, ou o inimigo ergueu seu escudo com grande precisão e bloqueou o ataque. Se deu sucesso, seu golpe atinge e cumpre o objetivo... mas o objetivo é aquilo que você descreveu.
Já conheci jogadores que achavam que mereciam acertar ataques automaticamente só porque enchiam de detalhes a descrição. Só porque diziam "giro o corpo, traçando um arco descendendo com a lâmina rumo ao joelho do adversário", achavam que mereciam acertar. Mas do que adianta você descrever tantos detalhes, se no fim seu personagem é uma droga em combate armado (ou está sob tantas penalidades que mal consegue se mover)?
(Claro que tem sistemas que se baseiam em dar bônus conforme você adiciona detalhes numa ação, mas isso é característica própria deles)
Particularmente, "interpretar" para mim é saber usar as aleatoriedades dos dados a favor da atuação. Descreva seu ataque, veja o resultado dos dados, então descreva o que ocorreu conforme esse resultado. É legal ver os jogadores tornarem uma falha tão emocionante quanto um sucesso. Da mesma forma, eu, como Mestre, adoro imaginar como os eventos interferem na interpretação dos NPCs.
Aí você está assumindo que, sem os dados, todo narrador cometeria o erro de ignorar o personagem que interpreta, sendo ele quem deve ser convencido?
Todo narrador não. Com um grande Mestre de Jogo, dados talvez não sejam necessários. Mas nem todo Mestre é bom, e muitos dos medíocres se acham os melhores do mundo. As regras ajudam tanto a nortear os jogadores, como limitar o "poder divino" do Mestre. Não que o sistema solucione tudo, mas quando se fala num jogo que atende a diferentes grupos e diferentes mestres, regras boas são a melhor solução para equalizar as coisas.
Não seria função do mestre emular esse universo fictício e seus personagens, e não fazê-lo ser 'narrar da forma errada'?
Na teoria sim. Mas qualquer um que já tenha jogado sob um mestre ruim sabe como é frustrante ter um Mestre tirano que decide o certo e o errado em mesa. Nunca vou deixar de citar o Narrador que me roubou pontos de Lacaios em Vampiro só porque não sabia como lidar com isso em jogo.
*começa o jogo* "Você mandou seus lacaios à cidade e eles não voltaram mais". Uau! Por que não vi nenhum dos outros jogadores perder seus níveis de Geração?
Se o narrador cumprir esse papel, ele não precisa realmente de dados para afirmar que 'esse npc burro foi facilmente convencido pelo fraco argumento' ou que um npc seria convencido (ou não) com coisas diferentes das que o próprio narrador seria. Não?
Sim, num mundo perfeito seria assim. Mas o mundo (e nossos Mestres) não são perfeitos, são?
Outro dia vi uma frase interessante de um cara que disse que tava cansado dos rpgs pq ultimamente eles estavam mais G do que RP.
Depende do argumento dele. Tem gente que acha que qualquer 'G' no
jogo é mal sinal, se fosse para ser assim faríamos teatro ou freeform...
Para mim, o "G" é tão importante quanto o "RP", como aliás expus no começo desta mensagem.
Tipo, vou fazer um jogo. Novo, diferente. Vou chamar meu jogo de 'Queimada Dançante', uma variação da queimada onde dança faz parte do jogo! Aí, nas regras, fica claro que a dança é opcional e só dança quem quer. Mas é um jogo diferente! Se você quiser dançar você dança, tá no nome! Está por todos os lados do manual esse conselho e até dicas para passos legais, mas obviamente não vou poder incluir mudanças no desfecho do jogo com a dança, senão dançarinos vão se sair melhor...Pensando bem, dessa forma eu não incentivo ninguém a dançar. Diabos, quem dançar só estaria se esforçando e demorando mais para conseguir a mesma coisa...
Esse jogo já peca em não incorporar a dança nas regras. Alguma regra pra isso tem que existir.
O problema em comparar isso com o RPG é que você assume nesse exemplo que "interpretar" é como dançar; a coisa não é tão definida assim. Atuar é uma forma de interpretação, mas não é só isso. Um jogador que não fala com o personagem, mas descreve as ações dele de forma lógica e simples, também está interpretando.
Todo RPG (decente) incentiva a interpretação de alguma forma: alguns dão prêmios por interpretação, outros criam mecânicas que guiam o personagem, mas mesmo os mais simples guiam os jogadores a interpretar através das características dos personagens. Por exemplo, se meu personagem é bom em Lábia e ruim em Briga, isso já é um incentivo e tanto para ele evitar confrontos físicos e buscar soluções sociais, certo?
Se o cara é tímido, não seria no RPG uma boa maneira de mudar um pouco esse quadro?
Então é um jogo de auto-ajuda? Nunca pensei por esse lado. Ainda não entendi toda essa coisa de rpg, é assim mesmo?
Note que isso vem com o tempo. É injusto cobrar de alguém recém-chegado ao jogo uma atuação fenomenal. Meu grupo se reúne há anos: alguns se tornaram atores incríveis em jogo, mas outros ainda têm muita dificuldade em "incorporar" seus personagens.
Faz sentido. Mas se todas são feitas para o personagem, o jogador não acaba *se tornando o personagem de seu personagem*, estando ali como mero coadjuvante enquanto o personagem decide tudo?
E... deixar o personagem decidir equivale a dados? Então nesse jogo complexo sobre personificações e tramas e criar histórias em conjunto, personagens equivalem meramente a dados?
Os dados só dizem "sim" ou "não" para o discurso que você improvisa ou o golpe que você desfere. Os dados indicam
o que acontece. A interpretação descreve
como acontece.
Então precisa haver uma ferramenta de controle, equilíbrio e compreensível para que o narrador faça jogos equilibrados. Entendi esse ponto, defendido por muitos.
Mas dados são a melhor solução? Mecânica precisa ser dados? A mecânica precisa ignorar a interpretação, ou existe algum sistema ou modo de fazer isso onde as duas dêem as mãos??
Não, mas como estamos falando em RPG em geral, os dados acabam sendo a forma mais simples de definir "sistema". O importante não são os dados em si, mas as maneiras de resolução de conflitos criadas pelo sistema utilizado. Alguns sistemas dão bônus em cima dos detalhes da descrição, por exemplo.
Emular o que o jogador é capaz e o personagem não(e vice versa) é essencial a experiência. Dados usados nessas horas fazem sentido, todo. Mas talvez o jogador só colocar em regras/dados o que ele não pode emular, serviria? Tipo, um jogador coloca perícia e rola dados(porque não acredita conseguir emular aquilo, ele mesmo), mas outro não? Ficaria quebrado?
Sim, ficaria. Um jogador com mais conhecimentos teria um personagem "mais poderoso" do que os demais. Imagine que eu seja um cara muito inteligente, que lê muito, e muito bom em atuação. Se eu só jogar pontos nos meus atributos físicos, terei um personagem quase perfeito. E isso é injusto.
Provavelmente. Mas haveria forma de fazer isso e mudar outras coisas para o jogo continuar equilibrado? Sei lá, só chutando teorias sem pensar duas vezes.
Não sei como fazer isso sem incorrer em injustiças.
Pela lógica de sistemas como Old Dragon ou 3D&T, alguns de meus jogadores sempre se sairiam melhores do que os outros. Até sei qual seria a hierarquia de "poder mental/social" no jogo...