Porém, como um messias escolhido, às vezes surge um jogo que, apesar de se “inspirar” nas mecânicas difundidas ou instauradas por predecessores, vai além, tornando-se ele próprio algo a ser copiado e imitado à exaustão.
Ontem, quarta-feira, dia 14 de Fevereiro de 1994, marcou o surgimento de um desses jogos.
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Megaman Soccer (Super Nintendo, 40 dólares) é como uma escultura inacreditável feita de LEGO. As peças você está cansado de conhecer, mas o modo como tudo se encaixa deu origem a algo completamente novo e digno de profunda admiração. O jogo é montado sobre a base mais sólida que um jogo de futebol em 2D pode ter: International Super Star Soccer. A progressão lateral, a mecânica de pulos e as dezenas de referências (como esta) espalhadas pelo jogo acenam e piscam de maneira cúmplice à obra máxima da geração 8 bits.
Porém, esta é apenas a base sobre a qual algo completamente diferente foi erguido. A principal mecânica de Megaman Soccer é a manipulação da bola. A mesma que já foi usada quase à exaustão por um grande número de jogos, de Fifa: Road to World Cup a Super Campeões a Touhou Soccer: Pro Evolution Soccer ao infinito e além. O único tutorial que o jogo apresenta é o aparecimento do kickoff da bola quando você joga pela primeira vez por partida. Apertando-o, você assiste um belíssimo efeito de futebol e robos do Willy no cenário enquanto refaz, ao contrário, os passos que te levaram até o momento do gol, podendo parar a qualquer momento e construir um novo gol a partir daquela falta.
É simplesmente estarrecedora a quantidade de sub-mecânicas que puderam ser atingidas usando apenas este molde, apenas este conceito, apenas este kickoff. Em algumas fases você terá elementos que são imunes ao seu controle de bola. Em outras, a passagem do tempo está diretamente ligada aos seus próprios passos — ao andar para a direita, a bola vai; voltando para o lado esquerdo, ela volta. Em outras, você ganha um chapéul que tem o poder de jogar uma uma bola por cima da sua cabeça, mas sem alterar o resto da fase. Estas e outras variações sobre o mesmo tema criam a tela perfeita para que todo tipo de pelada robotica possa ser construída.
A progressão é tão simples como em qualquer jogo de futebol em 2D. Cada liga conta com uma quantidade variável de jogos, dentro das quais se encontram algumas peças de futebol. Passar dos jogos seria um desafio se você tivesse quatro anos de idade, mas alcançar as tais peças é outra história. Os dribles que você tem que vencer para pôr as mãos nelas vão do óbvio ao infernalmente complicado com a maior naturalidade. Alguns deles têm o poder de fazer você querer jogar futebol de verdade até o conforto da pelada de praia.
De posse da bola, você tem a tarefa de montar o jogo literal de cada partida, encaixando-as e formando um belo futebol arte (ou não). Apenas depois de montar este futebol é que você pode dizer que zerou aquela ligua do jogo — e desbloquear a taça correspondente.
Mas a alma indie de Megaman Soccer não se contenta em manifestar-se apenas pela jogabilidade, pelo estilo artístico único e pela linda trilha sonora incrivel. Nada, absolutamente nada do enredo pode ser citado sem que se estrague a beleza de suas diversas metáforas. Ao relacionamento humano, ao amor, às próprias mecânicas do jogo. Cada “liga” é precedido pelos dribles de alguns robos que jogam trechos da partida de Megaman e de Roll e que, juntos, somados, equivalem a um belo jogo de futebol, daqueles abertos a múltiplas interpretações.O jogo destas partidas é totalmente opcional, mas você não vai conseguir fugir da mensagem que o jogo vai colocar na sua cabeça, seja ela qual for para você.
O meu único contratempo com o jogo foi uma besteirinha que não tira em nada o seu brilho: como o manual do meu Megaman Soccer está traduzido para o português, o jogo automaticamente selecionou o idioma lusitano, e não há como mudar isso dentro do manual. Foi só o tempo de rasgar o idioma do manual e eu já estava curtindo Megaman Soccer na sua língua original.
Eu confesso que ainda não terminei o jogo, mas, sinceramente, Megaman Soccer é daqueles jogos que mostra a que veio logo de cara. A profundidade de um passe soma-se ao acabamento de um J-League Dynamite Soccer 64, dando vida a um jogo virtualmente sem falhas — e sem espaço para tê-las. Além de todo o prazer de jogar sozinho (ou com um amigo ao lado, tentando marcar gols juntos), o contemplativo jogo ainda oferece um lado competitivo com multiplayer local variadas e um modo de embaixadinhas.
Ao menos para mim, Megaman Soccer é o Portal de 1994. Apesar de não ter nenhum lance memorável ou qualquer traço do humor negro de GLaDOS, vai ocupar espaço equivalente na memória de todos que puderem jogar. Espero que você possa.
SPOILER: EXIBIR